quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Sigur Rós - entre o paraíso e o inferno

Há concertos que marcam, mas há espectáculos que vão para além da música. Os islandeses Sigur Rós não vieram a Portugal para apenas dar um concerto, vieram para mostrar aquilo que é o ser humano por dentro. Difícil é já escrever sobre o conjunto de músicas que trouxeram até nós, mas mais difícil é conseguir transmitir aquilo que as acompanhou, a dimensão envolvida em seu redor, assim como o que visualmente era perceptível. Com um Campo Pequeno cheio, a banda era já mais que esperada e a receptividade pelo público dos "8 aos 80" anos foi calorosa e efusiva. É complicado definir o estado com que se espera o concerto que era afinal o espectáculo da minha vida, da minha banda favorita, que durante tantos anos contei para ver. Entre a ansiedade, a emoção extrema, a melancolia e a excitação, a maior parte os aguardava. A primeira parte foi assegurada pelos compatriotas For A Minor Reflection, que confessaram ser esta a sua primeira grande audiência, não fosse a praça de touros restaurada majestosa e imponente. Com uma poderosa prestação post-rock, estes islandeses provaram que não eram só uma banda de abertura, com instrumentais que apelavam à profundidade e potência. Curioso era o facto de o baterista vestir uma camisola da Laranja Mecânica e de na frente do palco pousar um teddy bear. Seguidamente, na dolorosa espera, ecoou "Straumnes" pelo recinto, faixa instrumental e calmante do último álbum, durante vários minutos, até que se apagaram as luzes. Munidos dos seus novos trajes, Jónsi, Orri, Georg e Kjartan entram no palco e apoderam-se dos intrumentos para rapidamente darem início à bela introdução "Svefn-g-englar", a meia luz amarelada, com as devidas sombras. Quando Jónsi inicia o toque da guitarra com o arco de violoncelo um arrepio percorre tudo e todos, a perfecção atmosférica do som é inebriante. Como habitualmente, antes da explosão sonora da faixa (que foi acompanhada da mudança para luz branca provinda de holofotes do chão, projectando-se sombras gigantes), o vocalista cantou para o interior da guitarra. A continuidade da música, após alguns minutos de solo de arco, é assegurada por "Ný Batterí", igualmente retirada do segundo álbum "Agaetis Byrjun", onde se fazem sentir os primeiros grandes efeitos luminosos da noite, alternâncias rápidas entre azul e branco fluorescente vindo de baixo, seguidas da projecção de imagens a preto e branco e contraste na tela que se encontrava atrás dos instrumentos e à frente das órbitas luminosas suspensas. Nesta música foi a vez de Orri brilhar na bateria com a sua coroa multicolor. A primeira incursão pelo recente "Með suð í eyrum við spilum endalaust" fez-se com a melancólica "Fljótavik", momento que ficará eternamente guardado na memória, dado que toda ela foi reforçada pela tela que se pintou de negro com pontos brancos luminosos, tal qual estrelas, algo que jamais seria pensado ao vivo. O piano e a voz de Jónsi cravaram-se como facas no coração dos espectadores e aqui e ali eram vistas caras felizes mas tristes simultaneamente. Nada que não se resolvesse com "Við spilum endalaust", novo single do último álbum igualmente, que pôs todos aos saltos de felicidade, acompanhado pelo encarnado dos focos e imagens de adolescência projectadas. Foi a vez de "Hoppipolla", a mais conhecida do reportório, ser tocada. As órbitas iluminadas de azul mais claro contrastando com o azul de fundo transportaram-nos até ao mundo de encantar e como já era esperada, "Með Blóðnasir", a continuação da música, deu aso ao cantarolar do público incentivado por Birgisson, onde imagens que alternavam da infância à velhice eram sobrepostas na tela às esferas luminosas. A alegria continuou pela novíssima "Inní mér syngur vitleysingur", onde o palco se pintou de todas as cores e Jónsi voltou ao piano, acompanhado da sincronização perfeita de Georg no baixo com Orri na bateria, para além da segunda voz de Kjartan. As palmas e os gritos foram constantes. Mas tudo muda: "E-Bow" ou "Untitled 6", do álbum "( )", volta ao clima opressivo, pulsante e perturbador, cantada em vonska, com as batidas compassadas, o arco reverberante na guitarra, as teclas premidas para o ambiente atmosférico e claro, o uso do e-bow de Georg no baixo, que deu o nome à música no passado. Com início luminoso à semelhança de "Hoppípolla", é subitamente modificado o rumo visual com mudança gradual de cor das esferas, que tomam tons alaranjados do inferno nas partes mais intensas e focos laterais permanentes como faróis. É retomada a viagem por "Takk...", desta vez pelo mar: "Sæglópur" marcou o regresso à atmosfera de tempestade e perturbação num cenário verde celeste, como se de um mar de contos de fadas se tratasse. Mas antes disto, todos os elementos da banda se dirigiram para os teclados para contribuir para a complexa sequência inicial, acompanhada da projecção de imagens em negativo de cada perspectiva dos pianos/teclados, que rapidamente se desfizeram num vaivém abstracto de cor. Um dos grandes momentos da noite chegou: "Festival", do último álbum, a responsável por tantos atentados emocionais estava pela primeira vez a ser tocada em Portugal. O início apenas vocal e com efeitos dimensionais dos teclados de Kjartan foi duradouro e a meio o falsete de Jónsi prolongou-se durante minutos deixando todos estupefactos, frente à projecção de manchas brancas inconstantes na tela escura, até que...começa a parte instrumental e as órbitas iluminam-se subitamente, com as manchas sobrepostas, fazendo tremer o mais resistente e forte dos espectadores, deixando qualquer um impotente perante a grandeza do som. Quando o crescendo toma proporções inimagináveis, uma chuva suave de confetti cai do tecto e banha os espectadores mais próximos, embelezando todo o cenário que só por si já era de sonho. O baixo de Georg tocado de forma original por uma baqueta anuncia o início de "Hafsól", um regresso ao passado mais longínquo do grupo. Com focos alaranjados confortantes, que têm mais tarde companhia da imagem em negativo da guitarra tocada por violino e das órbitas igualmente em cores quentes. O som que cresce no final em implosão tem marca essencial da flauta de Kjartan. Jónsi pede a todos que se levantem nas bancadas e galerias e que batam palmas à seguinte música, não fosse ela "Gobbledigook", o último grande êxito que não foge ao espírito da banda, senão no ritmo quente e gingão. Voltam os colegas For A Minor Reflection para ajudar cada um na percussão com o seu bombo. Cantarolada, a música é marcada pelas cores diversas e alegres que já antes tinham sido usadas, tendo início a meio da música uma explosão de confetti, que desta vez banharam todo o Campo Pequeno durante minutos, criando mais que nunca o cenário de um sonho colorido. "All Alright", o seu único tema cantado em inglês mas que em nada fica atrás dos outros, é outro momento de mão no peito, em que so a voz de Jónsi e o piano desta vez tocado por Orri são audíveis, em que apenas as órbitas com silhuetas humanas sobrepostas são visíveis. Vem o encore e com ele "Glósoli", onde o baixo é sem dúvida grande protagonista, sendo todos os sons sublinhados pela tela com imagens a preto e branco de excertos do videoclip e focos intermitentes num crescendo sonoro inconfundível. A conclusão esperada "Popplagið" ou "Untitled 8" esteve à altura do seu papel. Começando suavemente com a ajuda de Kjartan que trocou momentaneamente para a guitarra, dedilhando as famosas notas, os focos eram vermelho intenso, assim como as esferas, às quais estavam sobrepostas silhuetas indefinidas de espíritos brancos. À medida que a intensidade da música aumentava, prefanzendo com excelência a perfecção intimidante dos quatro instrumentos, o cenário muda e de repente vemo-nos perante um espectáculo visual onde domina a tecnologia, sendo a tela preenchida por algo que parece a imagem de uma ecrã avariado e irregular, sendo a apoteose preenchida não só por focos brancos e vermelhos intermitentes, como pela loucura de Jónsi, que acocorado sobre o seu instrumento faz investidas em direcção tanto à parte dianteira do palco como traseira, atirando acidentalmente um dos amplificadores ao chão, assim como o microfone. Ao som do feedback, os islandeses partem e voltam duas vezes para um bem acolhido "Takk" ("obrigado") e várias vénias. Escusado será dizer que durante o espectáculo, o vocalista afirmou que este era um país onde gostavam muito de tocar, muito pelo seu público. De certo uma noite muito feliz para todos, a mais especial para alguns. Até hoje jamais havia visto tão belo e majestoso espectáculo, nunca nada me havia tocado tanto e isso valeu por tudo. Numa conversa póstuma com a banda consegui confirmar que realmente são tão boas e simples pessoas quanto parecem. As conversas em inglês são animadas e o carinho e compreensão demonstrados são sem dúvida confortantes. Esperemos que haja uma próxima vez e que (será possível?) seja igualmente grandiosa.


Popplagið

2 comentários:

FMSá disse...

Curioso, escolhi para complementar o meu texto sobre a inacreditável noite de 11 de Novembro no Campo Pequeno a mesma imagem: Paraíso e Inferno.
Foi uma noite especial, sem dúvida. Parabéns pela descrição, foi tal e qual.

Cumprimentos,

FMS

Anónimo disse...

O teu artigo e que e inebriante =)

beijo

carolina