domingo, 9 de maio de 2010
O (des)valor da palavra cantada
Com a primeira passagem por Portugal do documentário Strange Powers acerca do compositor, escritor e vocalista Stephin Merritt dos Magnetic Fields, apercebemo-nos de uma malvada realidade: já quase ninguém dá valor à palavra. Isto é, quem sabe quem é Stephin Merritt? Colocado num altar por uns e completamente desconhecido pela maioria, o talentoso artista tem como trunfo o uso brilhante das palavras. Como se não bastasse, a sua voz baixo-barítono profunda acrescenta a cereja agridoce que faltava. Quantos são aqueles que conseguem compor instrumentalmente algo fantástico, recheado de harmonia instrumental acústica onde coabitam tanto guitarras, banjos, violoncelos e violinos como brinquedos que projectam sons estranhos e artificiais e ainda escrever canções intemporais acerca da relação, sexualidade, romance, desilusão, sátira. Há um humor negro em Merritr, terrivelmente assustador e apelativo simultaneamente. Este humor (provavelmente vindo da sua difícil personalidade esquartejada na película) está presente na maioria das músicas dos Magnetic Fields, sendo que estas são expressas habitualmente de uma forma bastante alegre e optimista mas os seus dizeres são de uma sátira, pessimismo e gozo tremendos. Este paradoxo faz com que o grupo não tenha barreiras para a criatividade. Merritt é quem decide e guia o seu rumo e é por isso que lhe são atribuídas as belas obras como 69 Love Songs, I, Distortion ou Realism. A película, filmada a pouco e pouco ao longo de onze anos, foca-se no processo criativo destes álbuns, na influência que tiveram em Merritt e na sua relação com o resto da banda, nomeadamente o amor-ódio com Claudia Gonson. O conceptualismo dos álbuns é uma marca a registar e a mudança rápida e eficaz de estilo em cada um torna a obra ainda mais rica. As palavras de Merritt, a reflexão do seu passado-presente-futuro e a companhia das doces melodias não é um acaso e a ponderação em cada frase é requerida.
Muito bom.
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