sexta-feira, 13 de agosto de 2010

E os Arcade Fire trazem-nos a sua (outra) obra-prima



Começar por dizer que este é o trabalho mais fraco dos Arcade Fire é cair no erro de se deixar levar pela superficialidade do som e desligar-se do conteúdo. É verdade que começaram por nos supreender com a multi-intrumentalidade de Funeral e com a epopeia de Neon Bible. Mas repetir cada uma destas façanhas não seria dar-se um pouco à perda da originalidade? Seguem então por um caminho diferente, opção que no seu e no caso de tantas bandas é um benefício. The Suburbs é o trabalho mais longo do colectivo/família canadiana: 16 músicas em modo progressivo e simples sobre a vida nos subúrbios durante a infância. Insurgindo-me em barreira à opinião geral da crítica, acho que este é talvez o álbum mais consistente de Butler, Régine e companhia. Porquê? Sabemos que os Arcade Fire são uma banda-conceito que faz álbuns-conceito e, hoje em dia, talvez o faça melhor que ninguém. Em aproximadamente seis anos de experiência e com um estúdio-igreja comprado, conseguem seguir um raciocínio metade espontâneo, metade lógico que lhes permite seguir um caminho com princípio, meio e fim (tanto sonoramente como a nível de conteúdo lírico). Note-se que tal como a vida nos subúrbios, o álbum começa e acaba do mesmo modo (ambas as faixas detêm o título do álbum). A primeira é uma elegante narrativa cantada e tocada em guitarra e piano sobre a vida mascarada e o desejo do sonho americano comum a quase todos os habitantes, que evitam a todo o custo as experiências fora de um circuito fechado social "Sometimes I can't believe it, I'm moving past a feeling". Todo o enredo evolui de uma forma descritiva Bob Dylaniana e até Springsteeniana, mas sobretudo muito própria. "Ready to Start" entra em grande bateria e em breve se torna numa oposição da mentalidade dos subúrbios por arranjar um emprego de escritório a despeito de enveredar pelo campo artístico, cliché da sociedade conservadora. Tudo isto por entre um piano gingão e um sintetizador que no final se insurge em tom de emergência. "Modern Man" é a composição mais simples de The Suburbs, consistindo numa combinação de poucos tons de guitarra e marcação de bateria com um leve sintetizador, demonstrando o peso de ser um homem actual numa sociedade em que tal é exigido, quer a nível de emprego, quer da vivência em conjunto, quer como forma de auto-convencimento. É altura de uma grande viragem a nível instrumental e "Rococo" faz bem as honras: violinos algo macabros, guitarra com distorção, guitarra acústica, cravo e sintetizador ambiance, fazendo vir ao de cima todos os desejos negros e simultaneamente grandiosos que passam pelas crianças enquanto brincam e interagem, como se de saudosismo barroco se tratasse "They want to own you but they don't know what game they're playing". Violinos soam como sirenes e é em "Empty Room" que reconhecemos os Arcade Fire de Funeral, onde reina a amálgama sonora e catártica ribombante, com as vozes do casal misturadas numa canção em que os amores de juventude e a dúvida se afloram, havendo até espaço para versos em francês. "City With No Children" diz respeito a todos: quem não se viu crescer e ver mudar a sua cidade? Todos ficamos com a sensação que já não existe juventude numerosa em meios tão fechados, peso socioeconómico que só é agravado pela observação de casas e jardins abandonados onde antes se brincara ou se viam cuidados "I feel like I've been living in a city with no children in it,
a garden left for ruin by a millionaire inside of a private prison
". A linha de baixo simples e contagiante é a chave para a tonar num cómico-drama. Chega o primeiro duo meio-épico Half Light I/ Half Light II. Na primeira, a repetição de guitarra em tons mais graves e agudos conjugada com a voz de Régine e os violinos orquestrais tornam todo o cenário de fuga à noite em tempos de adolescência para namorar nas vizinhanças (onde cada casa é uma história que pode escondida de todos) algo nostálgico, resumindo-se apenas em "We run through the streets that we know so well/And the houses hide so much/We're in the half light/None of us can tell/They hide the ocean in a shell". A segunda face de Half Light é bem mais electrónica e deixa o sonho para trás para cair na realidade "(no celebration)": nos subúrbios é muito comum o êxodo para grandes cidades aquando do crescimento, preferencialmente para outra ponta do país. Assim, são postas em evidência as atribulações do afastamento de um meio onde tudo nasce como adquirido e o reencontro com este muito mais tarde, altura em que se tornou irreconhecível. A segunda metade de The Suburbs é mais reflexíva e acústica... "Suburban Wars" é para mim a melhor música desta colecção e traduz perfeitamente o modo de pensar e viver em bairros periféricos: o afastamento, as amizades quebradas pelo afastamento, a divisão em tribos urbanas pela música, as discussões, a tristeza e saudade do antigamente (mesmo que este fosse pior que o presente) e a revolta tão característica contra o sistema "Before your war against the suburbs began". É povoada de deliciosos dedilhados e coros, terminando numa emergente e épica bateria em que os versos "All my old friends, they don't know me now" nos avisam de que isto não é uma sugestão, é um facto. "Month of May" é a faixa mais rock crú do grupo de Montreal, riffs ásperos e batida punk sobre a chegada do Verão e início das festas de garagem, em que miúdos se vestem como jovens e jovens se comportam como miúdos.
A balada "Wasted Hours" lembra aqueles tempos mortos em que nada aparentava ser aproveitado fora do ritmo da cidade, observando-se apenas as mudanças físicas suburbanas, enquanto o envelhecimento toma conta dos corpos e o cansaço das mentes. "Deep Bluee é assombrada por um piano e continua a reflexão da antecessora, desta vez atentada na descoberta da música e da forma como esta pode vir a mudar cada um. "We Used to Wait" é muito provavelmente o primeiro single e faz frente a outros êxitos de estádio da banda, continuando a nostalgia da separação amorosa na mudança de cidade e do "escrever ou não escrever? manter contacto ou não?", reflectido em "We used to wait letters to arrive (sometimes they never came)" o que geralmente acontece. O segundo par é "Sprawl I/Sprawl II". A primeira tratando-se de uma clássica composição com violinos e retratando um episódio de regresso ao Sprawl (o típico subúrbio das grandes cidades americanas) na tentativa de relembrar os sítios da infância, tentativa que se torna falhada pela mudança e construção de infra-estruturas. Já a segunda é a música mais adorada/odiada do disco, já que é tida como "isto não soa a Arcade Fire". Talvez soe tanto como qualquer outra...o certo é que apesar de electrónica, é bela e detém uma das melhores letras do grupo cantada por Régine. Nunca se aperceberam que em cada cidade-dormitório surgem centros comerciais falidos à medida que o tempo passa e que se acumulam? "Living in the sprawl/Dead shopping malls rise like mountains beyond mountains/And there's no end in sight". Tal como foi dito anteriormente, esta viagem termina como começou, destacando as doces palavras "If I could have it back/All the time that we wasted, I'd only waste it again". Esta mensagem pode ser muito importante, cada um é aquilo que construiu ao longo da sua vida e do meio que o influenciou. Se as experiências fossem mudadas por arrependimento, nada seria o mesmo.

The Suburbs não é um disco que pede admiração pela multi-insrumentalidade. É algo que pede atenção para os seus conteúdos e que facilmente se torna na experiência de todos aqueles que cresceram num meio semelhante (ou num esclarecimento de tal caso isso não tenha sucedido). Pode aparentar ser muito simples a nível sonoro, mas a verdade é que se encontram alguns dos mais belos arranjos e experiências de Butler e companhia, nunca descurando a alegria, nostalgia e epopeia que tanto os caracterizam.

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