sábado, 20 de fevereiro de 2010

Cinema Estético


Há alturas em que ao visionar um trailer, ficamos presos desde o primeiro segundo. Talvez tanta ânsia ponha as expectativas de um filme demasiado altas e o resultado é o desapontamento. Ainda assim, há casos em que acontece o oposto, diga-se, ver um trailer e ficar na mesma preso e em contagem decrescente, mas com a diferença da película nos surpreender mais ainda. É isso que acontece com A Single Man, dono de uma das mais fantásticas amostras promocionais. Quando se pensava que por uma câmara nas mãos de Tom Ford, famoso estilista americano, poderia ser uma asneira...enganem-se. Não só não é nenhuma asneira como o resultado é fantástico. Aliado a um excelente argumento retirado da obra homónima de Christopher Isherwood, o filme possui uma das mais bem conseguidas fotografias do cinema actual. Uma beleza estética flui em cada imagem, brincando-se com focagens, pormenores, espressões faciais, planos, saturações e cor. Esta carga do belo, que nos faz desejar inexplicavelmente voltar aos anos 60, complementa um grande trabalho musical e de figuração, adaptando-se a cada pormenor da história e aos próprios actores. Os adereços são simplesmente magníficos, a caracterização de cada personagem é fortemente cuidada, sendo que cada peça de roupa foi pensada até ao mínimo detalhe. A tensão sexual e emotiva que estas imagens transmitem faz repensar no modo como encaramos o cinema hoje em dia. Porque não pode um filme, para além de possuir um excelente leque de actores, uma fantástica história e uma boa representação, desempenhar o papel de obra de arte? Assim consegue de facto prender a atenção, beber do fascínio e jogar com o lado mais subtil do espectador. A tragédia dos belos screenshots, em conjunto com a música, fazem do cenário um local único. Mas nem só desta grande aposta de Tom Ford vive o filme, como se apenas de um catálogo de moda se tratasse. Este é talvez o papel da vida de Colin Firth, homem que ainda não tínhamos visto desempenhar papel tão exigente. Consegue incorporar George Falconer com uma naturalidade para além do normal, de tal modo que o estado e espírito do espectador varia com o desespero e esperança do personagem. O deambular pelo último dia da sua vida é tanto asfixiante, abatendo-se sobre nós aquela sensação de "nothing can be done", como bizarro. Os diálogos são a raíz principal desta causa, agarrando-nos no presente e nos flashbacks constantes da perda de Jim por George que passam pela sua mente. Julianne Moore é, como sempre, arrebatadora, partilhando o protagonismo com Firth nos poucos momentos em que surge na tela. Mesmo assim, são possíveis momentos onde o sarcasmo leva ao riso e adorna o nosso guilty pleasure. Algo impressionante, para além destes bons momentos, é o facto de como homossexual assumido há vários anos, Ford conseguir transpor com a maior naturalidade este tema que é normalmente tabu para um filme, sem que seja alvo de drama ou crítica ou causa principal. É bom ver que os tempos de aceitação chegaram e que finalmente o argumento do filme se sobrepõe às questões da injustiça ou discórdia sexual.

Resumindo, pode não ser um filme de Óscar segundo a Academia e o vencedor do Leão de Ouro em Veneza, mas é desde já um clássico, vindo recuperar o cinema estético e a naturalidade de uma história nada natural. Extraordinário.

3 comentários:

daniela disse...

Bem, se já estava curiosa, este post deixou-me a salivar :D!

Catarina Rodrigues disse...

Tenho muita vontade de ver este filme.

Lisboa na ponta dos dedos disse...

obrigada pelo comentário e pela nova morada que irei seguir. :-)

em breve "Uma Outra Educação" (que ao contrário do "Homem Singular" não ultrapassou o teaser/trailler)... satisfação iagual a realidade menos expectativa. sempre ;-)