segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Um desejo chamado idade

foto retirada de DN
Blanche é um daqueles paradoxos de mulher exuberante com angústia de envelhecer. Por um lado é extrovertida, mas por outro fecha-se num casulo de angústia e solidão. É destas pequenas particularidades que a personagem principal de Um Eléctrico Chamado Desejo, interpretada por Alexandra Lencastre, é construída. Encontramos a Nova Orleães dos anos 50 como palco de uma bela história onde a comédia, o drama e a tragédia dão as mãos. Tenessee Williams é reinventado pela equipa de Diogo Infante no Dona Maria II e a realidade é que não se poupa a elogios. Desde o cenário rotativo da casa de Stella à interpretação de surpresas como Lúcia Moniz, vai todo um rol de emoções e situações caricatas. Blache DuBois decide visitar a sua irmã Stella (Lúcia Moniz) anos depois desta sair de casa, morando agora num bairro pobre de Nova Orleães. A sua vaidade e exuberância invade a casa da irmã como um furacão e Stanley Kowalski (Albano Jerónimo), o marido de Stella cujos valores mais rústicos e europeus chocam com os de Blanche, não reage muito bem à sua vinda. Contudo, Mme. DuBois parece simultaneamente repugnada e fascinada com esta particularidade. Um dos amigos de Stan (Pedro Laginha) apaixona-se perdidamente pela educada senhora, criando-se relações cruzadas que dinamizam diferentes momentos da película. Há paragens espirituosas, momentos de reflexão e até cenas mais ousadas. A realidade é que Um Eléctrico Chamado Desejo é um poço de variedades, conduzindo o espectador por um mundo que não é o seu, sem contudo o afastar da dimensão humana das relações familiares.

Há toda uma riqueza metafórica no título da peça, que é diversas vezes usado por Blanche. Por um lado, o eléctrico é uma entidade física que percorre a cidade e passa no bairro pobre de Stella, transportando os desejos de todos aqueles que durante dia e noite viajam pelo seu quotidiano na tentativa de uma concretização pessoal. Por outro, é uma analogia para o estado de Blanche, a campainha para a lembrar do rumo da sua vida e do conforto da aceitação de si própria. Numa vida despedaçada, nada se poderia adequar melhor que este eléctrico que nos transporta para outras paisagens mentais.

Sem comentários: